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Somos uma organização marxista revolucionária. Procuramos intervir nas lutas de classes com um programa anticapitalista, com o objetivo de criar o Partido Revolucionário dos Trabalhadores, a seção brasileira de uma nova Internacional Revolucionária. Só com um partido revolucionário, composto em sua maioria por mulheres e negros, é possível lutar pelo governo direto dos trabalhadores, como forma de abrir caminho até o socialismo.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Uma Explicação Marxista sobre o Fim da URSS

Reagrupamento Revolucionário
As “Revisões de Teoria Básica” da LRP

A seguir está uma edição levemente atualizada de um rascunho não publicado feito por Samuel Trachtenberg. Originalmente escrito para ser distribuído como uma declaração da Tendência Bolchevique Internacional (IBT) no debate público da Liga pelo Partido Revolucionário (LRP) com a Liga Espartaquista (SL) em 10 de maio de 2003, em Nova Iorque, ele foi feito como uma resposta a “Teorias do Colapso Stalinista”, publicado na edição do outono de 2002 de Proletarian Revolution. A não ser quando indicado, as citações da LRP foram retiradas deste artigo.

A tradução para o português foi realizada pelo Coletivo Lenin em fevereiro de 2011 a partir da versão disponível no site do Reagrupamento Revolucionário (RR).

No curso da troca de polêmicas realizadas até seu debate com a LRP, a SL havia respondido a muitos dos desafios polêmicos propostos pela LRP sobre uma ampla variedade de questões. Um artigo da LRP ao qual eles não responderam, no entanto, foi uma polêmica sobre a questão russa, tradicionalmente uma questão central para a SL e um ponto chave separando os dois grupos. Observando a análise da SL sobre a vitória da contrarrevolução capitalista na URSS, o artigo afirma:

“Na URSS, o contragolpe de Ieltsin foi o evento chave no afastamento do Partido Comunista do poder. Nesse conflito entre alas da classe dominante capitalista burocrática, os stalinistas 'linha-dura', liderados pelo vice-presidente Gennady Yanaiev, tentaram tomar o poder só para si e pôr fim ao delicado equilíbrio de poder mantido por Gorbachev, envolvendo eles e os privatistas mais firmes [...]”

“Quando a revolta da 'linha dura' fracassou, a obra de equilíbrio de Gorbachev entrou em colapso e Ieltsin emergiu para o topo. O seu triunfo inaugurou um período indisfarçável de pilhagem capitalista que enriqueceu um punhado e empobreceu milhões. Embora o time de Yanaiev também estivesse dedicado às reformas de 'livre mercado', seu curso esperado era mais lento. Assim, qualquer um que sustentasse a teoria do Estado operário deformado deveria ter defendido o lado de Yanaiev, apesar de sua ameaça imediata de esmagar os trabalhadores – como uma questão de princípio, não apenas tática. No entanto, poucos o fizeram. A maioria apoiou Ieltsin em cima de dúbias bases democráticas, provando mais uma vez que sua teoria do Estado operário é fraseologia vazia [...]”

“Os espartaquistas viveram um momento particularmente difícil decidindo quando o 'Estado operário' soviético tinha sido perdido. Eles anunciaram retroativamente no final de 1992 que a contrarrevolução havia vencido havia algum tempo, permanecendo obscuro exatamente quando. (Veja 'Espartaquistas Eliminam o Estado Operário Russo Não com um Estrondo, Mas com um Choramingo' PR nº43). Uma 'teoria' que permite aos seus defensores não perceberem a queda de um Estado operário – a terra da revolução bolchevique, ou não mais – quando os eventos decisivos ocorrem diante do mundo inteiro, é inútil para a classe operária...”

“Eles não deveriam ter tido problemas em apoiar o golpe de Yanaiev contra Gorbachev em 1991. Mas nessa ocasião eles não tomaram partido. Eles fizeram contorcionismo teórico para evitar fazer isso por uma razão, porque isso teria significado admitir que os seus arquirrivais, a Tendência Bolchevique Internacional (IBT), estavam 'certos' enquanto eles errados. Para todo o alardeio de seu suposto apego bolchevique ao programa, os espartaquistas são frequentemente motivados por pequenas necessidades organizativas.”

“Teorias do Colapso Stalinista”
Proletarian Revolution nº65, Outono de 2002
Argumentando de uma perspectiva muito diferente da IBT [1], a LRP está ecoando sua afirmação correta de que a única posição defensista soviética consistente era a de ficar do mesmo lado militar dos stalinistas contra Ieltsin, e demonstra a lógica reformista da teoria da SL de contrarrevolução “aos poucos” na URSS. Esses são todos pontos em que a SL tem consistentemente falhado em explicar quando levantados.

A força da posição da LRP reflete o fato de que, enquanto a SL afirma reivindicar o defensismo soviético em teoria, no momento mais crucial ela renunciou-o na prática. Em contraste, a LRP teve mais consistência (relativamente à SL) ao renunciar em ambos.

Previsões sobre a estabilidade stalinista

Desde a polêmica inicial da IBT com a LRP sobre a questão russa (1917 nº6), o mundo assistiu ao colapso do stalinismo na URSS e no Leste Europeu. A LRP diz que, na esquerda, apenas a sua teoria do capitalismo de Estado lhes permitia prever a queda do stalinismo com antecedência. Isso é falso já que a IBT (assim como outros na esquerda) concordavam com a previsão de Trotsky de que:

“ou a burocracia, tornando-se ainda mais o órgão da burguesia mundial no Estado operário, vai destruir as novas formas de propriedade e lançar o país de volta ao capitalismo; ou a classe trabalhadora vai esmagar a burocracia e abrir o caminho para o socialismo.”

Programa de Transição (1938)
Em resposta à inesperada expansão do stalinismo no Leste Europeu no período pós-guerra, e as vitórias de lutas guerrilheiras de base camponesa lideradas por stalinistas na Ásia, ambas resultando na liquidação das relações de propriedade capitalistas, Michel Pablo, então líder da Quarta Internacional (assim como escritores como Isaac Deutscher) impressionisticamente previram que o stalinismo era a onda do futuro. O corolário era que o programa da revolução política contra os stalinistas, como defendido por Trotsky, estava ultrapassado, que os partidos stalinistas agiriam como arma suficiente, embora “cega”, para o socialismo, e que o papel dos trotskistas deveria ser se liquidarem dentro das organizações deles para “afiarem” as armas cegas. As previsões promissoras de Pablo para os stalinistas, descritas como “séculos de Estados operários deformados” por seus oponentes na época, foram de fato descreditadas. Como a LRP deveria saber, a IBT, assim como seus predecessores políticos, que se opuseram à destruição revisionista da Quarta Internacional realizada por Pablo, sempre defenderam a visão de Trotsky sobre o caráter transitório e instável da burocracia stalinista.

“Aqueles que não são capazes de defender as conquistas antigas”

Durante o tempo de vida de Trotsky existiam tendências em sua organização que, assim como a LRP, acreditavam que a URSS já tinha deixado de ser um Estado operário. Enquanto reconhecia que a diferença teórica no curso dos eventos poderia (e inevitavelmente iria) ter consequências programáticas, Trotsky acreditava que a chave para colaboração política na questão era acordo sobre a necessidade de derrubar os stalinistas combinada com a necessidade de defender a URSS contra a restauração capitalista, sob quaisquer bases teóricas.

A LRP buscou um meio termo teórico entre teorias do capitalismo de Estado tradicionais e a teoria de Trotsky, enquanto na prática geralmente tira as mesma conclusões que os seguidores das primeiras. De acordo com a visão um tanto única da LRP [2] a URSS era um Estado capitalista presidindo sobre formas de propriedade nacionalizadas. Eles reconhecem a propriedade nacionalizada como um importante ganho ainda deixado pela revolução de outubro e que devia ser defendido. Os stalinistas, nesse intervalo, eram vistos agindo como uma burguesia “regente”, virando a propriedade estatal contra a classe trabalhadora e explorando-a com ela, enquanto secretamente esperava (por mais de 80 anos) pela oportunidade certa de restaurar o capitalismo de mercado convencional. Apesar da teoria mais do que falha, a LRP ainda foi capaz de corretamente previr, na época da crise stalinista, que:

“Entretanto, se o poder econômico da burocracia e seus novos aliados reformistas e burgueses ocidentais não for quebrado, os trabalhadores do Leste Europeu verão suas revoluções se virarem contra eles, e se tornarão vítimas de exploração ainda mais profunda do que antes.”

“Revolução Varre a Europa”
PR nº36 (Inverno de 1990)

No seu mais recente artigo, eles corretamente criticam Tony Cliff:

“Em 1998, Cliff publicou um artigo intitulado “O Teste do Tempo” para dizer que sua teoria do capitalismo de Estado tinha sido comprovada. Lá ele repetiu a análise do “passo para o lado”. É remotamente concebível que em 1990 observadores deixassem passar despercebida a ameaça a todos os direitos dos trabalhadores e níveis de vida que estavam vinculados à privatização e pilhagem da propriedade estatal. Mas não no fim da década. Cliff e Cia. nunca aceitaram que qualquer ganho da classe operária tinha sobrevivido sob o stalinismo e assim olharam complacentes enquanto eles iam por água abaixo.”
Fazem as observações corretas de que:

“as 'revoluções' em nome da liberdade devastaram as classes trabalhadores e as levaram para um período de comparativa passividade.”
E (numa passagem previamente citada):

“o seu triunfo [de Ieltsin] inaugurou um período de indisfarçável pilhagem capitalista que enriqueceu um punhado e empobreceu milhões.”
Para um grupo que parece reconhecer o valor e a necessidade de defender as formas de propriedade nacionalizadas, poderia-se supor que o corolário político lógico fosse o defensismo soviético, ainda que na base de um teoria confusa e imprecisa. No entanto, como a maioria das outras organizações que reivindicam ser trotskistas, aqueles com teorias “ortodoxas”, assim como aqueles do “terceiro campo”, a LRP apoiou todas as “revoluções populares” pró-capitalistas, do Solidariedade na Polônia de 1981 em diante que, por acaso, destruíram as formas de propriedade nacionalizadas junto com os stalinistas. Essa experiência deveria forçar qualquer pessoa para a conclusão, ainda que tardiamente, que não se poderia defender a valiosa propriedade nacionalizada sem ao mesmo tempo defender aqueles Estados que se baseavam nessa propriedade contra as forças políticas que buscavam a privatização. No entanto, a LRP ainda argumenta:

“Na URSS, o contragolpe de Ieltsin foi o evento chave no afastamento do Partido Comunista do poder. Nesse conflito entre alas da classe dominante capitalista burocrática, os stalinistas 'linha-dura', liderados pelo vice-presidente Gennady Yanaiev, tentaram tomar o poder só para si e pôr fim ao delicado equilíbrio de poder mantido por Gorbachev, envolvendo eles e os privatistas mais rápidos. O golpe colocava um agudo perigo para a classe trabalhadora, já que seus líderes anunciavam uma imediata proibição das greves e uma retração dos limitados ganhos democráticos cedidos por Gorbachev na campanha da 'glasnost' (abertura) na meia década anterior. Então os trabalhadores revolucionários teriam se oposto ao golpe e teriam taticamente entrado num bloco militar com Ieltsin para derrotar a ameaça imediata aos interesses dos operários.”
(Numa seção do seu artigo que nós citamos anteriormente, a LRP castigou os grupos que “apoiaram Ieltsin em dúbias bases democráticas”).

Em contraste, Trotsky corretamente indicou:

“Nós não devemos perder de vista nem por um instante o fato de que a questão de derrubar a burocracia soviética é para nós subordinada à questão de preservar a propriedade estatal dos meios de produção na URSS; que a questão de preservar a propriedade estatal dos meios de produção na URSS é subordinada para nós à questão da revolução proletária mundial”.

Em Defesa do Marxismo (1942)
Para a LRP, a questão de defender a propriedade estatal dos meios de produção é subordinada à derrubada dos stalinistas. Subordinar a linha de classe ao democratismo pequeno-burguês parece ser o substrato da substituição que a LRP faz da análise marxista pelo moralismo em muitas de suas posições erradas, da questão russa à questão nacional.

Propriedade nacionalizada

A LRP busca criar o que, nesse caso, é uma falsa e artificial distinção, argumentando que a sua defesa era limitada à propriedade nacionalizada, mas não ao Estado. De uma maneira similar, eles dizem que defenderiam reformas estatais socialdemocratas e liberais de bem-estar social, ou nacionalizações realizadas por regimes burgueses no terceiro mundo, pelo propósito do desenvolvimento econômico etc. Entretanto, muitas seções da classe dominante reconhecem que serviço postal público, transporte público de massa, educação pública e outros setores estatais não são apenas ganhos obtidos pela classe operária, mas também os requisitos mínimos para o funcionamento apropriado da economia capitalista. Intervenções estatais na economia capitalista são particularmente importantes em períodos de crise econômica e guerra. Mas dizer que a as relações de propriedade nacionalizada que existiam na União Soviética e outros Estados operários eram de caráter similar exige vontade de não querer ver.

A LPR às vezes parece reconhecer isso, quando escreve:

“Trotsky não pensava que a burguesia tradicional pudesse na prática nacionalizar completamente a economia. Ele estava certo: isso exigia a revolução proletária, posteriormente usurpada pela burocracia stalinista”. [3]
A diferença entre uma sociedade capitalista com vários traços “sociais” e a URSS é o mesmo que a diferença entre a NEP de Lenin e o capitalismo.

O Estado e a contrarrevolução

A LRP corretamente expõe a inabilidade da SL (e de outros) de dizer quando a contrarrevolução triunfou na URSS. Tendo sido neutra na luta entre Ieltsin e os burocratas stalinistas em agosto de 1991, é compreensível o porquê de a SL buscar negar o significado da vitória de Yeltsin.

A LRP está certa em afirmar que essa é uma questão teórica muito séria a qual os marxistas devem responder. Ao argumentar que Ieltsin gradualmente, no decorrer de um tempo indeterminado, realizou de maneira bem sucedida uma contrarrevolução “aos poucos”, a SL, como ela havia previamente argumentado quando ainda uma organização revolucionária, tinha realizado um:

“abandono da teoria leninista sobre o Estado em favor de uma concepção linear, burguesa, como a de um termômetro que gradualmente passa de 'Estado burguês' para 'Estado operário' por pequenos incrementos, sem uma mudança qualitativa. Tal metodologia é a pedra angular do Pablismo.”

“Carta para o CORQUI e a OCI”
Spartacist nº22, Inverno de 1973-74
Tal compreensão teórica reformista, como Lenin apontou em obras como O Estado e a Revolução e A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky, desempenharam um importante papel quando a socialdemocracia cruzou a linha de classe em 1914. Esse abandono teórico também foi evidente, como a LRP corretamente percebe, no entendimento que a Quarta Internacional tinha nos anos 1940 sobre a criação de Estados operários deformados no Leste Europeu e China.

A IBT havia anteriormente criticado esse ponto em relação à SL (veja “Entendendo a Rússia Certo” por S. Trachtenberg, 1917 nº16, 1995) assim como para outros grupos, como o Esquerda Comunista da Nova Zelândia (hoje Grupo Operário Comunista/NZ):
“É notável que cada onda maior de revisionismo no marxismo atingiu a concepção marxista sobre o Estado. De Bernstein, para Kautsky, para Stalin – todos tentaram minar a concepção do Estado como força armada em defesa de uma forma de propriedade da classe dominante. Assim, o revisionismo substitui o marxismo por Estados 'de duas classes', Estados 'sem classes', Estados 'intermediários', e Estados 'de transição'....”

“Um Estado 'de duas classes' é inevitavelmente um Estado burguês, assim como uma frente popular 'de duas classes' é inevitavelmente uma frente burguesa. Em última instância, o programa comunista em relação a um Estado 'de duas classes' e a uma frente popular 'de duas classes' se reduz à questão da linha de classe. As dificuldades do Esquerda Comunista nas duas questões derivam de uma mesma fonte: a sua incapacidade de distinguir a linha de classe.”

Contra o Centrismo (1993)
Esse ponto também foi colocado contra a Liga por uma Internacional Comunista Revolucionária (hoje Liga pela Quinta Internacional)
“Harvey pensa que 'o caráter de classe do Estado' no caso de tais oscilações pode ser determinado pela atividade de tal regime a qualquer instante determinado – quando ele age para os capitalistas, ele é um Estado capitalista, mas, se ele tomar alguma ação em favor do povo trabalhador, ele se torna um Estado operário. O tipo de 'marxismo' que 'entende' tais noções é chamado kautskismo.”
“Lenin atacou a idéia de que um Estado burguês possa ser transformado em um instrumento para servir aos interesses dos oprimidos:
'Que o Estado é um órgão do poder de uma classe definida que não pode ser reconciliado com o seu antípoda (a classe que se opõe a ele) é algo que os democratas pequeno-burgueses nunca serão capazes de entender' – O Estado e a Revolução'”
“Lenin categoricamente rejeitava a idéia de que um regime pequeno-burguês oscilante (ou qualquer outra coisa) possa transformar um Estado capitalista em um instrumento para revolução social:
'Revolução consiste não em uma nova classe comandando, governando com a ajuda da antiga máquina de Estado, mas nessa classe esmagando tal máquina e comandando, governando com a ajuda de uma nova máquina. Kautsky denigre essa idéia básica do marxismo, ou ele falhou grotescamente em entendê-la'”
“Cuba, LRCI & Teoria Marxista”
1917 nº13, 1994
A LRP colocou o que parece ser um argumento similar numerosas vezes:

“As mudanças governamentais hoje [em relação ao pós-guerra no Leste Europeu] vão na direção reversa: os stalinistas estão sendo substituídos por tipos que pretendem ser burgueses. ('Burguês' se refere ao capitalismo tradicional do Ocidente, como distinto da versão estatizada do Leste). Ambas as transformações aconteceram sem confrontações forçosas entre os dois elementos dominantes. Chamá-las de revoluções sociais leva ao reformismo, a noção de que o poder pode ser transferido de uma classe para outra pacificamente e gradualmente. Isso contradiz o ensinamento central da teoria marxista de que o Estado é o instrumento de uma classe dominante particular e defende a ordem e as formas econômicas dessa classe com seu poder armado.”
“A Agonia Mortal de uma Teoria Deformada”
PR 39, Inverno de 1991
e no artigo mais recente:

“Marxistas que acreditam que a URSS e Estados aliados eram não-capitalistas antes de 1989 mas que são capitalistas agora terão que responder à pergunta para cada país: quando a contrarrevolução aconteceu? Nós já mencionamos que trotskistas ortodoxos nos anos 1940 tinham problemas consideráveis com a 'questão da data' daquele tempo: quando os países do Leste Europeu, China, etc. se tornaram Estados operários? O problema reverso após 1989 foi igualmente problemático” [4]
A solução da LRP é argumentar que a contrarrevolução triunfou nos anos 1930, como consequência dos Julgamentos de Expurgo. A LRP argumenta que os expurgos representaram uma “guerra civil preventiva” e que portanto sua análise resgata a teoria marxista da necessidade de uma contrarrevolução violenta:

“A degeneração acelerou nos anos 1930. Durante os Grandes Expurgos na segunda metade da década, os stalinistas aniquilaram os elementos revolucionários sobreviventes no partido e destruíram as unidades de oficiais do Exército Vermelho. O núcleo essencial do poder de Estado – seu exército, polícia e poderes jurídicos foi expurgada e expurgada novamente até que todos os vestígios de bolchevismo fossem apagados. Assim, o aparato de Estado foi esmagado e reconstituído numa ferramenta da alta burocracia – uma nova classe capitalista, uma classe dominante regente no lugar da burguesia destruída. Isso significou a conclusão da contrarrevolução: o Estado operário foi destruído.”
Enquanto houve uma contrarrevolução violenta na URSS em agosto de 1991, é verdade que em muito do Leste Europeu tal confrontação não ocorreu; no lugar os stalinistas e uma classe operária desorientada abdicaram do poder. Como Trotsky notou:

“Se um exército capitula ao inimigo numa situação crítica sem lutar, então essa capitulação toma completamente o lugar de uma 'batalha decisiva', na política como na guerra.”
A Terceira Internacional Depois de Lenin (1928)
Como um precedente histórico na outra direção, a República Soviética Húngara de 1919 chegou ao poder quando o governo e Estado burguês similarmente abdicaram do poder sem luta. Marx, Engels, Lenin e Trotsky todos reconheceram a possibilidade teórica, se não a probabilidade, de uma obtenção pacífica (em oposto a gradual) do poder de Estado [5]. Em escritos tais como A Guerra Civil na França e O Estado e a Revolução, a principal questão não era o nível de força e violência usada para uma revolução e, por implicação, contrarrevolução, bem sucedida, mas sim que “a classe trabalhadora não pode simplesmente tomar posse da máquina de Estado pronta e usá-la para seus próprios propósitos”.

No entanto, isso é precisamente o que a teoria da LRP (como a da SL) implica; que os stalinistas/capitalistas nos anos 1930 (ou Ieltsin em 1991-92) tomaram posse da “máquina de Estado pronta” e então prosseguiram para usá-la na restauração do poder capitalista através da morte e do expurgo de elementos comprometidos com as formas de propriedade socialistas. Para usar uma analogia, usando essa metodologia pode-se então teoricamente argumentar que o caminho para o socialismo reside em se infiltrar secretamente nos partidos Democrata e Republicano e, uma vez retendo posições de poder, usá-lo para gradualmente expurgar aqueles comprometidos com o capitalismo a partir de dentro do aparato de Estado.

Embora usada num diferente contexto, a afirmação de James Cannon (frequentemente citada pela LRP) é muito bem adequada nesse assunto:

“Eu não acho que você possa mudar o caráter de classe de um Estado por manipulações no topo. Isso só pode ser feito por uma revolução que seja seguida por uma mudança fundamental nas relações de propriedade... Se você começa a brincar com a idéia de que a natureza de classe do Estado pode ser mudada por manipulações nos altos círculos, você abre a porta para todos os tipos de revisões de teoria básica.”
Boletim Interno do SWP, outubro de 1949 (citado no artigo da LRP) [6]
Leninismo vs. economicismo

Um argumento central colocado pela LRP é de que se a URSS fosse um Estado operário, então a classe operária teria se levantado para defendê-la. Já que não houve insurreições da classe operária contra os stalinistas nos anos 1930, o período no qual a LRP considera que a contrarrevolução capitalista triunfou, a LRP deveria logicamente chegar à conclusão de que a URSS nunca foi um Estado operário.

A raiz dessa teoria facilmente desmentida é a rejeição pela LRP do entendimento de Lenin de que a consciência socialista não é um reflexo automático dos interesses materiais da classe operária, mas que devemos lutar por ela entre a classe operária a partir de fora, com a intervenção de um partido de vanguarda. Se os trabalhadores fossem espontaneamente socialistas, então a revolução teria triunfado há muito tempo, trabalhadores jamais apoiariam frentes populares, guerras imperialistas, ideologias racistas etc. Assim como a classe trabalhadora recebe uma infusão de falsa consciência burguesa pelos burocratas sindicais e socialdemocratas reformistas, ela também a recebeu por décadas de desgoverno stalinista, mentiras e repressão.

A LRP argumenta nesse artigo que:

“Trotsky uma vez disse sobre a União Soviética que aqueles que não fossem capazes de defender os ganhos passados da classe trabalhadora jamais poderiam obter novos. O mesmo é verdade sobre aqueles que não podem compreendê-los.”
Usando esse critério correto, ambos a LRP e seus parceiros de debate mostraram tanto incapacidade de defender quanto compreender.

Notas de rodapé

[1] Nos anos 1940, Max Shachtman, de maneira similar, também foi capaz de fazer astutas observações sobre as cambalhotas teóricas da Quarta sobre as extensões stalinistas no pós-guerra, enquanto mantinha ele próprio uma análise incorreta.

[2] A LRP desenvolveu uma teoria do capitalismo de Estado que é unicamente sua, e não parece ver a ironia de, por um lado, fazer uma mistura de todos aqueles que revindicam ser trotskistas “ortodoxos”, exultando:
“Depois da queda, apesar de sua teoria comum, eles não podiam concordar sobre como ou quando os ex-Estados stalinistas tinham se tornado capitalistas. A 'teoria' acabou não sendo nenhuma base para análise, mas simplesmente um distintivo para sociedades que certa vez tinham aparentado livres da crise do capitalismo.”
Enquanto observam sobre o “clube” que defende a teoria capitalismo de Estado, a qual alguns argumentam que eles pertencem:
“Outros erros a parte, nenhuma dessas correntes lidou adequadamente com a histórica dimensão da 'mudança de regime' na URSS: como e quando o Estado operário soviético tinha sido desfeito? Todos eles disseram ou deixaram implícito que os stalinistas tinham acabado com o Estado operário no momento em que se consolidaram no poder nos anos 1920 ou no começo dos anos 1930.”
[3] Essa visão não conta para a criação de economias completamente nacionalizadas nos Estados geridos pelos stalinistas fora da URSS.

[4] A confusão da Quarta naquela época foi parcialmente um reflexo de observar as formas de propriedade dominantes, que foram gradualmente modificadas, mais do que o poder armado, o núcleo do Estado, que era o Exército Soviético ocupando esses países. Os governos “populares” que incluíam figuras burguesas não tinham poder real, estando o poder efetivo nas mãos das tropas de ocupação soviéticas que instalaram e retiraram esses governos conforme quiseram. Na maioria dos países os capitalistas foram expropriados; em outros, como a Áustria, eles não foram, sendo o resultado no final o produto das decisões soviéticas (decisões forçadas sobre eles pela pressão militar imperialista). No período de intervalo, o que existia era uma força militar ainda não comprometida com a propriedade capitalista ou coletivizada. Ou seja, não havia Estado no sentido marxista do termo.

[5] Marx e Engels na ocasião argumentaram sobre a possibilidade, sob circunstâncias históricas diferentes no passado, de uma transição pacífica nos Estados Unidos e na Inglaterra. No período imediato precedendo a revolução russa, Lenin discutiu a remota possibilidade de isso também ocorrer na Rússia:
“Antes de 4 de julho [...] transferir o poder aos Sovietes então existentes [...] poderia ter sido feito pacificamente, sem Guerra Civil. Porque não havia ocorrido atos de violência sistemática contra as massas, contra o povo”
“Agora e apenas agora, talvez durante apenas alguns dias ou uma semana ou duas, tal governo possa ser estabelecido e consolidado de um modo perfeitamente pacífico. Com toda probabilidade ele poderia assegurar o avanço pacífico de toda a revolução russa [...]” (ênfase no original)
Citado em “Lenin em 1917” de Victor Serge
Revolutionary History, Vol. 5 No.3
[6] Apesar das melhores intenções da LRP de evitar as armadilhas das “revisões de teoria básica” ao postular a mudança do caráter de classe do Estado através de “manipulações no topo”, parece que a lógica de tentar afirmar, contra a verdadeira realidade histórica, a restauração do capitalismo nos anos 1930 forçou a LRP a cair precisamente nessa arapuca enquanto buscava responder à “questão da data”:
“A culminância formal da contrarrevolução veio no 18.º Congresso do Partido em março de 1939. Lá o triunfante PC santificou as novas relações sociais e abertamente se consagrou à intelectualidade burocrática. Após esse ponto era impossível dizer que o Estado era dominado pelos interesses da classe operária, ainda que numa forma distorcida [...]”
“Onde a Constituição de 1936 tinha simbolicamente substituído o proletariado em favor de 'todo o povo', agora o Congresso do Partido dava poder à nova burocracia [...]”

“Dirigindo-se ao Congresso, o capanga de Stalin, Zhdanov, declarou que a preferência até então dada aos militantes que estavam no partido provenientes da classe operária tinha acabado: 'O sistema existente, como prescrito nas Regras do Partido, de admitir novos membros no Partido de acordo com quatro categorias diferentes, dependendo do status social [ou seja, classe] do candidato, é obviamente incompatível com as mudanças na estrutura de classe da sociedade soviética resultante da vitória do socialismo na URSS.”

A Vida e a Morte do Stalinismo, de Walter Daum
Páginas 183-184
Muitos irão reconhecer este esquema arbitrário como tendo muito em comum com a reivindicação maoísta de que a URSS se tornou capitalista em 1956, logo depois que Kruschev fez seu famoso “Discurso Secreto” reconhecendo muitos dos crimes de Stalin.

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